São coisas que só Deus sabe explicar, o
sambista Antônio Chagas Campo – O Magnífico Mestre Sala Cabeleira, após alguns
dias internado na UTI do Hospital João Paulo II, em virtude de AVC e outras
complicações, faleceu na tarde desta segunda feira dia 2 de dezembro – Dia Nacional
do Samba.
Não poderia existir data melhor para
sua partida, Cabeleira praticamente dedicou toda sua vida ao samba, ainda jovem,
participou da fundação da Escola de Samba Os Diplomatas da qual foi presidente
e Mestre Salas durante muitos carnavais; Foi presidente da Associação das
Escolas de Samba e Entidades Carnavalescas de Rondônia – AESB e fundador da Federação das Escolas de Samba de
Rondônia – FESEC além de ser o atual presidente da Escola de Samba Acadêmicos
do Armário Grande. Sua luta atual, era colocar em funcionamento a Liga
Independente das Escolas de Samba. “Atualizei toda a documentação da Liga, não
sei por que a turma não concorda com sua reativação” sempre dizia
Cabeleira.
Cabeleira nasceu no dia 10 e setembro
de 1939 em Manaus (AM) e ainda adolescente veio morar em Porto Velho e por
algume tempo no Rio de Janeiro. Estava com 80 anos e como se diz: “Em
plena forma”, pelo menos era o que ele passava para todos seus amigos e
familiares, apesar de ainda estar se recuperando do tratamento de um Câncer que
segundo ele, estava curado. Boêmio por excelência apesar da idade, Cabeleira
não perdia um evento, em especial se fosse relacionado a Samba e Escola de
Samba, sempre extrovertido, gostava de mostrar aos sambistas atuais, sua
habilidade, executando passos de Mestre Sala fosse onde fosse, sempre dizia: “Esses
meninos de hoje, precisam prestar atenção na ginga do VELHINHO aqui” e
saia rodopiando pelo salão.
No dia 02 de novembro passado, por coincidência,
dia de finados, Cabeleira foi homenageado pela Associação Cultural Rio Madeira
e Fundação Serpa do Amaral com a Comenda “Ordem
Cultural Bola Sete”, durante a realização do Projeto Samba Autoral
coordenado pela diretoria da escola de samba Asfaltão.
Há um ano, entrevistei o Cabeleira
sobre suas atividades como sambista. Vamos reproduzir essa entrevista:
Antônio Chagas Campo – O Magnífico Mestre Sala Cabeira.
N.R – O velório está acontecendo na
Funerário São Cristóvão e o enterro será às 16 horas, desta terça feira 03, no
cemitério do Inocentes em Porto Velho.
ENTREVISTA
Recebendo a comenda Merito Cultural Bola Sete |
Zk – Sabemos que você é um dos
fundadores da escola de samba Os Diplomatas, antes disso, você brincava
carnaval em qual agremiação?
Cabeleira – Quando vim do Rio de
Janeiro – eu já dava umas pernadas lá – isso em 1956/57 o Bainha me chamou pra
gente fundar uma escola de samba porque só tinha o Bloco do Valério da Dona
Jóia, aí nos juntamos com Valério, Ricardo, Dona Jóia, Alex e o Leônidas e
criamos o que chamamos de escola de samba.
Zk – Por que você diz: “Chamamos de
escola de samba”?
Cabeleira – Porque realmente não era
uma escola de samba, era uma bateria com 31 integrantes tudo homem, até eu
estava lá balançando um Ganzá. Nesse mesmo estilo, existia a escola de samba “Deixa
Falar do Bola Sete” que também era só uma bateria e a escola de samba “O
Triângulo Não Morreu” que tinha o Gia, Cardoso, Miguel e Paulo Machado. O
Triângulo tinha mulher e até instrumento de sopro. Todos desfilavam dentro do
Cordão de Isolamento. Cardoso e Gia puxavam Cuíca, o Guarda Miguel era o
responsável por esticar ou montar os couros dos instrumentos. Naquele tempo, os
tambores eram de couro de cobra, veado, e outros bichos do mato como porquinho,
tudo comprado na “Casa José Oceano Alves” que ficava no Mercado Municipal (hoje
Mercado Cultural). O Bainha era pra ser um dos melhores cuiqueiros do Brasil na
época, pois o Zé Ferino da Mangueira assim profetizou: “Esse menino vai longe”.
Você perguntou onde eu brincava, era nas escolinhas de samba do Rio de Janeiro
depois conheci o Mestre Sala Delegado fui pra Mangueira beber por lá, naquele
tempo a cachaça da moda era Parati, depois fomos conhecer o Salgueiro. Quando a
Beija Flor era do Grupo de Acesso os desfiles eram na avenida Getúlio Vargas.
Zk – Sobre a rivalidade Diplomatas X
Caiari?
Cabeleira – A Caiari surge em 1964 e só
vem vencer da Diplomatas no carnaval de 1970, quando o desfile foi na Pinheiro
Machado. Naquele ano desfilei com uma
fantasia preparada pela dona Juraci Mateus que era o luxo dos luxos. Era dona
Florípedes na Caiari e dona Juraci na Diplomatas. Nosso enredo era sobre a
Assinatura da Lei Áurea e a moça que desfilou representando a Princesa Izabel
que vinha num carro alegórico, em frente ao Palanque dos jurados, fez a
representação da assinatura da Lei Áurea que abolia a escravidão no Brasil, só
que deram pra ela uma CANETA BIC coisa que na época da assinatura da Lei não
existia, isso tirou um bocado de pontos da escola. Ainda por cima, o Samba era
plágio do samba do Salgueiro e os jurados por isso também tiraram pontos da
Diplomatas e a Caiari com um samba de sua autoria (de Silvio M. Santos) e
enredo da Dona Marise Castiel “Sinhá Moça e a Abolição” ganhou ‘molim’ da
gente.
Zk – É verdade que a Diplomatas não
nasceu com esse nome?
Cabeleira – A Diplomatas nasceu na casa
do Valério que era na Joaquim Nabuco sub esquina com a Almirante Barroso bem em
frente, naquele tampo, ao açougue do Casemiro depois foi que virou bar, com o
nome de “Prova de Fogo” a pedido do Tário de Almeida Café nosso primeiro
presidente, que queria homenagear um bloco que ele tinha em Fortaleza Ceara.
Desfilou com esse nome apena no carnaval de 1959 em 1960 adotou o nome
“Universidade dos Diplomatas do Samba”, sugerido pelo Bizigudo. Em meados dos
anos de 1960, passou a ser apenas Os Diplomatas por sugestão do Bainha. A
primeira costureira da Diplomatas foi dona Marieta mãe do Bainha. Depois o Abel
Marques passou a nos fornecer camisetas da Martine e a gente vestia os
batuqueiros com aquele camisa.
Zk – Os desfiles eram aonde?
Cabeleira – A gente subia a José de
Alencar dobrava na Carlos Gomes e descia pela Presidente Dutra até o Porto
Velho Hotel, onde ficávamos esperando a ordem para iniciar o desfile oficial
que terminava na praça Rondon.
Zk – Como é que o Leônidas entra para a
história da Diplomatas?
Cabeleira – É uma história delicada!
Acontece que o Leônidas era uma espécie de Office Boy na casa da Valério, mas,
já andava com a gente na boemia e na minha concepção, ele estava presente na
reunião que criamos a Diplomatas sim, quem contesta, não sei por que, a
presença dele, é o Bainha, mas, pra gente ele é considerado fundador da escola
também.
Zk – A rivalidade entre você e o Vitor
Sadeck. Ele diz que você nunca ganhou dele como Mestre Sala é verdade?
Cabeleira – Era engraçado! Naquele
época, quem tinha influencia política como a Dona Marise, pesava, ninguém
derrubava ela. Então o Vitor Sadeck que era vestido pela Dona Florípedes uma
das melhores modistas da época. Era puro luxo as fantasias dele, porém, ele
nunca teve um mestre como professor como eu tive o Delgado e o Canelinha os
melhores do Brasil. Não é que o Vitinho dançasse melhor, ele tinha a dona Marise
por trás. Outro que morreu com raiva de mim foi o Babá que surgiu na Diplomatas
com passistas e depois foi pra Caiari como Mestre Sala. Ficou com raiva de mim
porque eu disse que ele não dançava. Mestre Sala não segura à cintura da Porta
Bandeira ele apenas reverencia o pavilhão. Não sei não, até hoje não vejo
nenhum Mestre Sala nas escolas de Porto Velho que saiba dançar.
Zk – Você participou da embaixada que
foi trocar a bandeira nacional em Brasília?
Cabeleira – Aquilo foi o maior
espetáculo que já participei como Mestre Sala. Foi em 1975 e naquela viagem,
nasceu à escola de samba Mocidade Independente do KM-1 fundada entre outros,
por você e o Bainha. Em Brasília ainda se apresentou como Pobres do Caiari
porque desfilou de azul e branco. Quando nossa apresentação terminou, os
diretores da escola de Samba do Cruzeiro lá de Brasília vieram conversar comigo
e me convidaram para ficar lá desfilando pela escola deles, me ofereceram
algumas vantagens, o Bainha que estava perto, ouvindo a conversa, se meteu no
meio da gente e foi dizendo “Ele não pode ficar aqui não e nem vai ficar ele é
nosso”. Os caras ficaram chateados com a maneira que o Bainha os tratou e mesmo
assim, ficaram insistindo e eu não fiquei, porque, além de ser funcionário do
Território de Rondônia era casado e tinha um bocado de filho pra criar.
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