REGISTRO HISTÓRICO

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Afinal, a quem pertence a Madeira Mamoré

Por Ana Aranda (*)


A recente fiscalização da Justiça Federal feita no complexo da Madeira-Mamoré, na praça central de Porto Velho, revelou o que já se esperava. Desleixo, abandono, descaso. O que não se pode dizer que seja uma grande novidade. Há décadas, a ferrovia vem sendo espoliada, lentamente, publicamente, com reações esporádicas, isoladas e ineficientes para deter a sua morte iminente. Acompanhada da fiscalização da Justiça Federal e do puxão de orelha dado pelo juiz aos órgãos responsáveis pelo zelo do patrimônio, a novidade sobre o assunto foi uma nota do superintendente de Turismo de Rondônia, Júlio Olivar, implorando, praticamente, que a prefeitura devolva a responsabilidade pela gestão do acervo da ferrovia para a União, porque, alega ele, não tem condições de cuidar do mesmo. Os dois episódios reforçam uma triste verdade, a prevalência do empurra-empurra, de um órgão apontar o outro como incompetente e da necessidade de fiscalização para compensar a falta de uma política sólida de conservação de um patrimônio tão importante.
Desde a sua desativação, na década de 1970, a mando do governo Militar – que trocou os trilhos pela rendosa cadeia produtiva do automóvel e do transporte rodoviário – a Madeira-Mamoré está condenada. Algumas iniciativas foram fundamentais para que ela não estivesse agora em pior situação. Foi importante o trabalho feito na década de 1980 pelo ex-governador Jorge Teixeira, que reabriu o complexo, abrigou a Locomotiva Church em um dos galpões da praça, além de reativar os primeiros quilômetros de trilhos, entre outras medidas. O tombamento dos primeiros sete quilômetros da ferrovia como patrimônio histórico nacional. A inclusão da revitalização do trecho tombado nas medidas de compensação da obra da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio – vitória importante, alcançada graças ao desempenho fundamental do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e seu superintendente no Estado, na época, Beto Bertagna.
Foram vitórias importantes, repito. Lembro que na década de 1990, um secretário de cultura arrebanhado no interior do Estado entre correligionários do governador de plantão dizia que a Madeira-Mamoré era “um câncer na vida dele”.
Construída ao longo de 350 quilômetros entre Porto Velho e Guajará-Mirim, a Madeira-Mamoré conta histórias maravilhosas, misteriosas, que se enredam com a trajetória do que hoje é o Estado de Rondônia e sua população. O povo precisa conhecer estas histórias para aprender a valorizar o solo onde está pisando. Acho que este seria um bom começo para que os responsáveis pelos entes governamentais e não governamentais se unissem para ver o que podem fazer, juntos, pela ferrovia. Quem aponta o dedo para o nariz alheio, sem querer, ao mesmo tempo, aponta três dedos para o próprio rosto. Ao invés de acusar e de focar no problema, acredito que precisamos olhar para a frente, com o objetivo de encontrar uma solução para os problemas que afetam o acervo deste bem tão precioso. E tem que ser logo, porque uma nova cheia pode acontecer em poucos meses e ainda nem foram retiradas as peças históricas deixadas na praça durante a enchente do início deste ano. E a Defesa Civil do município anuncia que parte da praça está prestes a ser levada pelas chuvas. O tempo urge.

(*) Ana Aranda é jornalista e editora do site Amazônia da Gente


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