Por Ana Aranda (*)
A recente fiscalização da Justiça Federal feita no complexo da
Madeira-Mamoré, na praça central de Porto Velho, revelou o que já se esperava.
Desleixo, abandono, descaso. O que não se pode dizer que seja uma grande
novidade. Há décadas, a ferrovia vem sendo espoliada, lentamente, publicamente,
com reações esporádicas, isoladas e ineficientes para deter a sua morte
iminente. Acompanhada da fiscalização da Justiça Federal e do puxão de orelha dado
pelo juiz aos órgãos responsáveis pelo zelo do patrimônio, a novidade sobre o
assunto foi uma nota do superintendente de Turismo de Rondônia, Júlio Olivar,
implorando, praticamente, que a prefeitura devolva a responsabilidade pela
gestão do acervo da ferrovia para a União, porque, alega ele, não tem condições
de cuidar do mesmo. Os dois episódios reforçam uma triste verdade, a
prevalência do empurra-empurra, de um órgão apontar o outro como incompetente e
da necessidade de fiscalização para compensar a falta de uma política sólida de
conservação de um patrimônio tão importante.
Desde a sua desativação, na década de 1970, a mando do governo Militar –
que trocou os trilhos pela rendosa cadeia produtiva do automóvel e do
transporte rodoviário – a Madeira-Mamoré está condenada. Algumas iniciativas
foram fundamentais para que ela não estivesse agora em pior situação. Foi
importante o trabalho feito na década de 1980 pelo ex-governador Jorge
Teixeira, que reabriu o complexo, abrigou a Locomotiva Church em um dos galpões
da praça, além de reativar os primeiros quilômetros de trilhos, entre outras
medidas. O tombamento dos primeiros sete quilômetros da ferrovia como
patrimônio histórico nacional. A inclusão da revitalização do trecho tombado
nas medidas de compensação da obra da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio –
vitória importante, alcançada graças ao desempenho fundamental do Iphan
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e seu superintendente
no Estado, na época, Beto Bertagna.
Foram vitórias importantes, repito. Lembro que na década de 1990, um
secretário de cultura arrebanhado no interior do Estado entre correligionários
do governador de plantão dizia que a Madeira-Mamoré era “um câncer na vida
dele”.
Construída ao longo de 350 quilômetros entre Porto
Velho e Guajará-Mirim, a Madeira-Mamoré conta histórias maravilhosas,
misteriosas, que se enredam com a trajetória do que hoje é o Estado de Rondônia
e sua população. O povo precisa conhecer estas histórias para aprender a
valorizar o solo onde está pisando. Acho que este seria um bom começo para que
os responsáveis pelos entes governamentais e não governamentais se unissem para
ver o que podem fazer, juntos, pela ferrovia. Quem aponta o dedo para o nariz
alheio, sem querer, ao mesmo tempo, aponta três dedos para o próprio rosto. Ao
invés de acusar e de focar no problema, acredito que precisamos olhar para a
frente, com o objetivo de encontrar uma solução para os problemas que afetam o
acervo deste bem tão precioso. E tem que ser logo, porque uma nova cheia pode
acontecer em poucos meses e ainda nem foram retiradas as peças históricas
deixadas na praça durante a enchente do início deste ano. E a Defesa Civil do
município anuncia que parte da praça está prestes a ser levada pelas chuvas. O
tempo urge.
(*) Ana Aranda é jornalista e editora do site Amazônia da Gente
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