domingo, 19 de agosto de 2012

JUSTINO RODRIGUES


O soldado da borracha do Vale do Jamari

Aos 88 anos de idade, seu Justino Rodrigues, podemos dizer, está em plena forma física e consciente, é como dizem: Está lúcido. Durante o Festival Folclórico de Guajará Mirim o “Duelo na Fronteira”, demos de cara com seu Justino na hora do café da manhã no hotel Mamoré onde eu também estava hospedado. Conversa vai, conversa vem, vi que estava diante de uma pessoa que pode ser considerada pioneira, pelo seu conhecimento sobre a vivencia dos soldados da borracha que para cá vieram durante a II Guerra Mundial no início da década de 1940. “Saímos de Fortaleza (CE), em fevereiro e chegamos em Porto Velho no mês de maio”. Ao desembarcar em Porto Velho naquele mês de maio, nosso entrevistado embarcou num caminhão rumo a Cachoeira de Samuel de onde foi de barco até o seringal São Luis que era de propriedade dos Arruda. “Esses Arruadas depois desapareceram da área e nós ficamos tocando o seringal”. Depois de muitos anos vivendo como se fosse o gerente do seringal. “Nunca cortei seringa, sabia todos os macetes, mas, nunca cortei”, seu Justino em 1960 veio para Porto Velho onde conseguiu emprego de vigia no DNER e depois passou a motorista. “Em 1966 me colocaram como motorista do comandante do 5º BEC coronel Aluisio Weber”. 
Durante nossa conversa, seu Justino contou várias histórias interessantes, vividas como motorista do comandante do BEC, porém, como nosso foco era a história do soldado da borracha que viveu no Vale do rio Jamari, deixamos as histórias do 5º BEC para uma outra ocasião. 


ENTREVISTA


Zk – Qual seu nome completo?
Justino – Justino Rodrigues. Meu nome era Justino Rodrigues Araujo, mas, quando cheguei em Teresina... Foi o seguinte, saí de Sobral para Teresina e nosso carro que era um “Pau de Arara” atrasou e em conseqüência, chegamos às nove horas da noite no alojamento. Eles deram pra gente uns sacos que era para colocar nossos pertences, inclusive roupa e documentos. Cansado que estava, fiquei só de cueca e amarrei aquele saco no punho da rede, quando acordei, o lugar mais limpo. Então fiquei sem documento.

Zk – Essa viagem foi em razão de que
Justino – Embarquei contratado como Soldado da Borracha em 1943 e o destino era a Amazônia em especial Porto Velho.

Zk – Sendo assim, vamos continuar com esse assunto?
Justino – De Sobral a Teresina foi de Pau de Arara e de lá até Croatá no Maranhão de trem Maria Fumaça. Em virtude de um assassinato tivemos que ir para São Luis em Reanil onde nos deram um côfo cheio de camarão pra gente comer. Em São Luis embarcamos no navio D. Pedro II rumo a Belém do Pará.

Zk – É verdade que durante a viagem era proibido fumar e acender qualquer espécie de luz?
Justino – Na realidade, eram dois navios, um com rapaz solteiro e outro com os casados, quando chegou a noite parou todo o maquinário, distribuíram salva vida e a ordem era: Quem pegasse um fumando podia jogar n’água.

Zk – Eles explicaram o porquê dessa precaução?
Justino – Diziam que era porque submarinos alemães estavam por ali, porém tinha quem dissesse que os submarinos eram americanos, que atacavam os navios brasileiros para forçar o Brasil entrar na guerra, mas, eu não posso afirmar isso.

Zk – O senhor tem idéia de quantos “arigós” vieram no navio que o senhor veio?
Justino – A gente não era “arigó” era Soldado da Borracha. Não sei precisar quantos éramos, porém, posso dizer que era muita gente.

Zk – Quanto tempo durou a viagem de vocês?
Justino – Saímos de Fortaleza (CE), em fevereiro e chegamos em Porto Velho no mês de maio. Acontece que em Belém passamos uma boa temporada e só depois embarcamos no navio gaiola “Distrito Federal” e nessa embarcação passamos 24 dias até chegar a Porto Velho.

Zk – Em Porto Velho o senhor foi contratado por qual seringalista?
Justino – Aqui fui trabalhar num seringal que ficava no Alto Jamari de propriedade da família Arruda. Esses Arrudas depois desapareceram e não apareceram mais e nós ficamos lá sem dono, sem coisa nenhuma o nome era Seringal São Luis.

Zk – O senhor era bom seringueiro?
Justino – Nunca cortei seringa, mas, fui comboieiro, fiz uma porção de coisa, fui gerente... Eu era encarregado de viagem, tinha meu terçado, meu machado. Acontece que na localidade onde a gente estava tinha 18 seringueiros e eu como encarregado do barracão, tinha a minha disposição 4 burros de carga e um burro de montada pra mim, então quando chegava o final do mês sai fazendo as anotações da produção daqueles seringueiros e ao mesmo tempo entregando as mercadorias tipo charque, farinha, arroz, querosene, açúcar, conserva, feijão essas coisas... Em suma, eu era o gerente, comboieiro, e noteiro.

Zk – É verdade que o seringueiro quando não produzia bem o patrão seringalista tomava a mulher dele e dava pra outro?
Justino - Era assim, tinha aquele seringueiro que era bom produtor e o que não produzia bem. Aquele que produzia bastante fazia a nota de pedido de mercadoria: Dois quilos de banha, charque, feijão, um paneiro de farinha e coisa e tal e uma mulher. O patrão então ordenava o pessoal dele (capangas): Vá na barraca de fulano, pegue a mulher dele e leve pra sicrano. E o dono da mulher não podia reclamar se não, morria ali mesmo.

Zk – O senhor casou com quantos anos?
Justino – Me casei com 25 anos de idade aqui em Porto Velho. Minha mulher dona Joana da Silva Rodrigues. Estamos fazendo 62 anos de casados. Vamos voltar a falar do meu nome:


Zk – Vamos?
Justino - Como meus documentos foram roubados, dei entrada em outros já aqui em Porto Velho e quando fui buscar só constava Justino Rodrigues o Araujo foi embora com os ladrões.

Zk – Quando foi que o senhor resolveu deixar o seringal para vir morar na cidade?
Justino – Isso foi em 1960. Não gosto nem de falar o nome da pessoa responsável por isso. Acontece que entrou o Flodoaldo Pontes Pinto – aquilo não era boa peça – Para você fazer idéia. A família da minha esposa veio do maranhão muito nova e no seringal criou, filhos, netos e bisnetos e o patrão deles era um português João Moura Santos que tinha aquele pessoal no cativeiro, tudo era afilhado e em conseqüência disso, o seringueiro nunca tinha saldo.  Era o seringal Massagana!

Zk – E o que seu Flodoaldo tem a ver com isso?
Justino – Ele foi apresentado ao Banco da Borracha (Basa) e tomou conta do seringal. A primeira coisa que ele fez foi mandar a família dele pra lá. A mulher dele com um “buchão” grávida e ele ficou em Porto Velho. Certo dia após o pessoal dar um duro danado descarregando mercadoria, subindo um enorme barranco, resolvi no final do trabalho, agradecer oferecendo um “Leite de Tigre” a eles, bebida vai, bebida vem, aconteceu uma confusão que terminou um furando o outro de faca, a mulher do Flodoaldo presenciou tudo da janela de sua casa e teve um princípio de aborto. Mandei buscar uma parteira em Candeias e nada, até que me lembrei de umas injeções velhas que tinha: Betuitrina apliquei no músculo dela e aparentemente resolveu o problema, mas a criança morreu.

Zk – Então por que a mágoa com o Flodoaldo?
Justino – Acontece que os maranhenses da família da minha mulher fizeram tudo no Massagana e ele entrou só com a cara e não fez nada para ajudar aquele povo.

Zk – O escoamento da borracha era feito via rio Jamari até São Carlos?
Justino – Não, a gente trazia até Cachoeira de Samuel e de lá vinha para Porto Velho de carro, já tinha estrada. Basta lembrar que quando cheguei aqui em 1943 fui pra Cachoeira de Samuel de carro, era difícil dirigir, mas, a gente chegava.

Zk – Quando o senhor vinha à cidade ficava hospedado aonde?
Justino – Gostava de ficar na Pensão do Napoleão que se fosse hoje, era ali na esquina da Rogério Weber com a Gonçalves Dias.

Zk – Quando o senhor resolveu deixar o seringal e se mudar para Porto Velho?
Justino – Aí foi quando chegou o tempo da cassiterita e o Flodoaldo “empinou” e já tinha aquele caso do aborto da esposa dele e ele achou ruim comigo. Quando começou a mineração eu saí por não me da bem com ele. Foram 15 anos de trabalho perdido. Ele veio inclusive, procurar uma tesoura velha em minha casa. Dei até parte dele, mas, não sabia que ele tinha negócio com o Aluizio Ferreira. Era a lei do “Quem pode mais, chora menos”.

Zk – Tem algum caso que se passou no tempo do seringal que o senhor gostaria de relatar?
Justino – Tinha uma senhora casada que tinha caso com um cara lá, certa vez o Zé Sabino em conversa comigo disse: “O dia que acontecer uma história dessas comigo, dou-lhe um tiro e corto a cabeça”. Não sei por que, ele foi na colocação do seringueiro que tinha caso com a mulher de um outro e deu-lhe realmente um tiro e cortou-lhe o pescoço e o pior foi que mandou me avisar: “Diz pro Justino que já fiz o trabalho”, como se eu tivesse alguma coisa a ver com aquilo.

Zk – E já em Porto Velho?
Justino – Foi o tempo que chegou o DNER em 1960 e fui trabalhar lá.

Zk – O senhor se aposentou como Soldado da Borracha ou como funcionário do Ministério dos Transportes?
Justino – Sou aposentado pelo Ministério dos Transportes.

Zk – O senhor foi contratado pelo DNER em qual função?
Justino – Entrei como vigia, era a vaga que tinha. Aí eu falando com o doutor Paulo Renê desafiei: Se eu tirar minha carteira de motorista o senhor me contrata como tal, ele não contou conversa aceitou e o certo é que sou aposentado como motorista.

Zk – O senhor depois foi o motorista do Coronel Aluisio Weber é verdade?
Justino – Em 1966 me colocaram a disposição do comandante do BEC que era o Coronel Weber. Trabalhei durante 26 anos no 5º BEC.

Zk – Quais os seringalistas que o senhor conheceu na região do Jamari?
Justino – Albino Henrique, Alder Catanhede o Aurélio e o Ricardo mandavam do Setenta até Quatro Nações aqui embaixo, Raimundinho, Walmar Meira que só andava de branco inclusive, me disseram que ele se aposentou como Soldado da Borracha.

Zk – E as festas?
Justino – Quando aparecia alguém com um cavaquinho a festa era boa, mas geralmente era só batendo na caixa (caixinha instrumento de percussão), dançava homem com homem era aquela algazarra.

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