Hoje vamos relembrar
as histórias que vivi no Mercado Municipal de Porto Velho, desde 1951 até 1966,
quando um tenebroso incêndio o destruiu. Além de lembrar o Trem Boiadeiro que
trazia Gado da Bolívia para ser abatido em nossa cidade.
As quatro
portas do Mercado Municipal
Por Silvio M.
Santos
A
história da construção do Mercado Municipal é cheia de percalços. Basta
lembrar que sua edificação começou, graças a uma pendenga entre o
Superintendente (prefeito) Major Fernando Guapindaia de Souza Brejense e a
administração da Madeira-Mamoré Railway Co.
Quando
Joaquim Augusto Tanajura assumiu a superintendência condenou a obra, aí vemos
que já naquele tempo, nossos políticos tinham a mania de desfazer o que seus
opositores haviam iniciado, só para ficarem com os louros de assinarem como
sendo suas, as obras da cidade.
Tanajura
não conseguiu o apoio da população para pôr em prática sua ideia e então
abandonou a construção, que ficou totalmente paralisada por vários anos e com
certeza, a área da construção foi tomada pelo matagal. Anos depois, já em seu
segundo mandato (1923) Tanajura conseguiu seu intento e mandou demolir o que
Guapindaia havia construído, e ao retomar a construção Tanajura não conseguiu
nem terminar os alicerces da obra.
Para encurtar nossa conversa, o Mercado Público Municipal de Porto Velho só foi concluído em 1950, na gestão do prefeito Ruy Brasil Cantanhede.
Para encurtar nossa conversa, o Mercado Público Municipal de Porto Velho só foi concluído em 1950, na gestão do prefeito Ruy Brasil Cantanhede.
Nossa
intenção nessa matéria, é falar sobre as Quatro
Portas de entrada e saída que existiam no prédio do nosso Mercado Público
Municipal.
A
BANCA DE JORNAL DO SEU BARROSO
Pelo
lado do hoje Calçadão Manelão ou pela porta que ficava para
o lado do Palácio Presidente Vargas, existia a Banca de Jornal do "seu"
Barroso que por algum tempo, só vendia o jornal Alto Madeira. Ali se reuniam
nas manhãs de domingo e até em dias de semana, os chamados "categas" metidos a intelectuais, para discutir as
notícias publicadas no jornal.
Entrando
mais um pouco, deparávamos, com a "Banca" do Boy onde a gente podia
degustar deliciosas iguarias como mingau de milho (mungunzá), tapioca, pamonha
e é claro, aquele café com leite (in natura) a famosa média, Boy era marido da
famosa tacacazeira dona Chiquinha.
No
espaço a direita dessa porta, ficavam as "bancas" dos
verdureiros.
Pelo
lado de fora do mercado que ficava no rumo da José de Alencar, tinha o Caldo de
Cana do J Lima (a famosa saltenha só começou a ser produzida muito depois). Pro
lado do Banco da Borracha, ficava a taberna do Zé Curica, o Zizi e a boutique
"Veadinho de Ouro" do Zé Carlos Lobo. Na esquina da Travessa Renato
Medeiros (hoje calçadão Manelão) com a José de Alencar existiu também a
lanchonete do "seu" João (aquele que até bem pouco tempo tinha um
lanche no terreno da Casa de Cultura).
A
BANDA DE MIÚDO DO BODÓ
Pela
porta da Presidente Dutra, tinha o açougue do Bodó. Esse açougue era especial,
porque só vendia "miúdo" de boi fígado, bobó, rim, coração, tripa
grossa, tripa fina, livro, mocotó e carne morta. O interessante é que naquele
tempo, era praticamente impossível se comprar um quilo de fígado, ou um
coração inteiro. Bodó e o outro açougueiro conhecido como Faca Cega, só vendia
a famosa "misturada".
Um
quilo de "misturada" era composto por um pedacinho de cada parte do
miúdo, ou seja, um pedacinho de fígado, um pedacinho de coração, um pedacinho
de rim, um pedacinho de carne morta e um pedação de bobó. Vale salientar, que
esse açougue só funcionava à tarde.
Para
se conseguir uma "panelada" completa (mocotó, tripa fina, tripa
grossa, bucho e o livro), era complicado, era um pouquinho de cada coisa
também, essa prática era para que o Bodó e o Faca Cega atendessem maior número
de fregueses.
Pelo
lado direito de quem entrava por essa porta, foi instalado o primeiro frigorífico
de Porto Velho. Seguindo no rumo da Henrique Dias tinha a Casa Rio Madeira cuja
especialidade era a venda de material de caça e pesca (no dia do incêndio
ninguém conseguia encostar com tanta bala disparando).
No
rumo do palácio depois do açougue do Bodó tinha uma barbearia; e a alfaiataria
o seu Tancredo.
Era
em frente a essa porta, que ficava o CARRO DE MINGAU do seu DEGA. O Dega chegava
ao ponto, por volta das cinco horas .da madrugada com sua "banca"
ambulante, puxado por um boi.
A PORTA DO ZÉ RISADA
A
Porta da Henrique Dias
Desse
lado também aos domingos e até em dias de semana, encontrávamos muitos
"categas" na taberna do seu Elias Ribeiro ou na taberna do Luiz Gomes
tomando uma cachacinha ou apenas batendo papo. Da entrada dessa porta se ouvia as
gargalhadas do seu Zé Risada.
No
espaço onde ficava o comercio do Zé Risada ficavam os boxes onde se comercializavam
secos e molhados. O Zé Risada se destacava dos demais, justamente, pelo bom
humor ou pelas risadas escandalosas que eram ouvidas em todo o Mercado.
Em
frente a essa porta, do outro lado da rua, ficava o armazém do Tufic Matny onde
os funcionários do governo territorial compravam "fiado".
Seguindo
pelo lado do mercado ainda pela Rua Henrique Dias no rumo da José de Alencar,
existia o sapateiro (consertador de sapatos) boliviano José Camacho que depois
passou a vender Gás em botija e bicicleta Monark e transformou-se num grande
empresário.
Pro
lado da Presidente Dutra, bem na esquina, tinha o "seu" Wilson da
Motorista cuja especialidade era a compra de sucata, (vendi muito alumínio,
metal e cobre pro seu Wilson). Na esquina da Henrique com a José de Alencar era
o comercio de José Oceano Alves cuja especialidade era a compra de produtos
regionais como couro de animais silvestres, borracha, ipecacuanha, sova e
outros.
Foi
justamente por esse lado do mercado, que segundo dizem, começou o incêndio.
A
PORTA DO PONTO CAÇULA
Essa
era como se fosse à entrada principal do mercado. Ficava pela José de Alencar
e era justamente a porta onde se formava a famosa "fila da carne"
(depois vamos falar sobre essa fila).
Então
na entrada dessa porta existia o famoso "Ponto Caçula"; sabem de quem
era esse comércio, era justamente do seu Pedro Pacheco Dias um dos sócios da
Casa Saudade. Seu Pedrinho como era conhecido, foi um dos comerciantes mais
queridos do Mercado Municipal, pela maneira como recebia seus fregueses, do
Ponto Caçula ele conseguiu os recursos para construir o Bar do Canto (Carlos
Gomes com Júlio de Castilho) o Bar mais antigo de Porto Velho. Logo a direita
de quem entrava por essa porta, ficava o espaço onde se vendia peixe e mais alguns
boxes com secos e molhados.
No
espaço do lado esquerdo ficavam as bancas ou açougues onde se vendia carne
verde (carne de boi). Como podemos notar, o ponto caçula era praticamente
o único ponto nesse corredor de entrada onde se comercializavam os chamados
secos e molhados.
Yedda
Bozarcobv na obra "Porto Velho - Cem anos de História 1907 -
2007" escreve: " ... O pavilhão destinado à comercialização de carne
verde possuía quatro portais, piso de mosaico em duas cores e as paredes eram
revestidas com azulejos brancos numa altura de 1,80 m".
Pelo
lado de fora, no sentido palácio do governo tinha a Casa Girão de José Girão
Machado cuja especialidade era a venda de armas de fogo (revolveres,
espingardas, rifles etc.) além de munição, aí também o estampido de balas foi
destaque durante o incêndio. O Cabo Piaba se transformou em herói, justamente
com o soldado Sebastião ao enfrentar o fogo e as balas na tentativa de conter
as chamas, do outro lado da rua, no hoje edifício do INSS tinha a Agencia da
empresa aérea Cruzeiro do Sul o prédio era conhecido como "Prédio do
Bechara" e a loja da família Chaquiam.
A FILA DA CARNE
Naquele tempo, nem todo dia se vendia
carne (verde), nas bancas dos açougueiros do Mercado Municipal e então, quem
quisesse comprar pelo menos um quilo de carne, teria que ainda de madrugada,
colocar a sexta na fila (deixava a sexta e ia para casa dormir ou então dormia
lá mesmo).
Aconteceu de muitas vezes, a pessoa
ao chegar à beira do balcão na sua vez de ser atendida, o açougueiro anunciar
que “ACABOU A CARNE”. Muitos açougueiros recebiam propinas dos “CATEGAS”
(pessoas que exerciam cargos importantes no governo do Território ou da Estrada
de Ferro Madeira Mamoré e Empresários), para guardar carne, cujas sextas seriam
pegas depois. Quando alguém descobria essa “mutreta” a confusão estava formada
e só parava com a chegada dos Guardas da Guarda Territorial.
O TREM BOIADEIRO
Lembro que no meu tempo de
menino/adolescente, era comum acontecer uma correria generalizada,
principalmente pela rua 7 de Setembro. Para a maioria, essas correrias eram
motivo de muitas risadas pois, muitos na realidade, nem sabiam do que estavam
correndo; essa algazarra era provocada geralmente no dia que chegava na estação
da Estrada de Ferro Madeira Mamoré o TREM BOIADEIRO uma composição ferroviária,
que trazia Gado (BOI) da Bolívia, para ser abatido e vendido nos açougues do
Mercado Municipal e durante a condução do rebanho rumo aos Campos de engorda ou
matadouros acontecia, de um Boi se desgarrar e desabar na carreira, fazendo as
pessoas também correrem com medo do Marruá.
Epílogo - Comer carne de boi em Porto
Velho até meados da década de 1960, era coisa pra Catega!
6 comentários:
Relato de quem viveu esses momentos, onde era um fato social e hoje é historia,
Pergunta: ipecacuanha, o que é...
Trata-se da poaia ou poalha, uma planta com propriedades medicinais "muito usada pelos ribeirinhos, índios e seringueiros (...) no tratamento de vermes e lombrigas, além de funcionar como um excelente expectorante" (da obra "Trem das Almas", de Simon Oliveira dos Santos) da Temática Editora.
Silvio, esse povo aí, de risada, oceano Alves, meus tios: Ze Passos, Raimundo Passos e muitos outros foram pro mercado onde até hoje é o central acho que já foram umas três reformas, boas lembranças
SILVIO OBRIGADO PELA LEMBRANÇA DA VEADINHO DE OURO APELIDO DADO PELO AMIGO DIMAS OLIVERA PAI DO DIMACY...SEI QUE SUA CABEÇA NÃO TEM MEMORIA DE COMPUTADOR MAS VAMOS LEMBRAR DE ALGUNS...SEU ZE LEMOS, CABO LIRA COM O BAR GUANABARA, BEM ANTES DO BAR BACURAU NAQUELA ESQUINA TEVE UM BAR E RESTAURANTE DO ...CAPIXABA SEMPRE USANDO SUA GRAVATA BORBULETA...MUITO AMIGO DO SAUDOSO ARICY BILOIA ((??????))
...TEVE TAMBEM JOSE OCEANO ALVES , VENDIA E COMPRAVA COURO DE ANIMAIS SILVESTRES, O ATACIEL VIZINHO DO ZIZI...
Parabéns meu GRANDE AMIGO SÍLVIO SANTOS! Belíssimos retalhos da nossa história. Vivi este tempo e meu pai me levava de madrugada para ficar na fila com a cesta de cipó (hoje chamam de vime). Além do TREM BOIADEIRO, esperávamos atentamente, olhando para o céu, a chegada da carne pelo avião DC-3 da Companhia Aérea Paraense. Ver no céu, o avião da Paraense em direção ao Aeroporto do Caiari (geralmente às quintas-feiras, à tarde), era sinal de carne bovina chegando. Aí, na madrugada da sexta-feira, meu pai me deixava na fila esperando a abertura do portão da Rua José de Alencar.
Pelo corredor interno do Mercado, que dava saída para a Rua Henrique Dias, ficava também o Box do BAFO DA ONÇA (atingido pelo incêndio), do meu primo José Passos. E pelo lado externo, ao lado da porta que dá de frente para o Palácio Getúlio Vargas, ficava o primeiro Bazar Bezerra, do meu cunhado Cleodomildo Gomes Bezerra (não atingido pelo incêndio)
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